Em dezembro de 2013, a taxa de desocupação medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alcançou a mínima da série histórica: 6,2%. A média daquele ano foi de 7,2%.
Enquanto se falava em "apagão de mão-de-obra" pela escassez de profissionais e em "pleno emprego", ainda que a informalidade no país fosse elevada, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), o índice oficial de inflação do Brasil, estava em 5,84% no ano. Não obstante, o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), registrava 7,82% no mesmo período. O IGP-M é um indicador importante, porque corrige contratos como aluguéis, tarifas de telecomunicações, energia elétrica, água e esgoto, pedágio, entre outros.
O IGP-M é bastante sensível à taxa de câmbio, porque 60% do índice representam os preços no atacado, isto é, os reajustes que chegam da indústria de transformação ao setor de comércio, antes de chegar ao consumidor final. Como a indústria doméstica depende muito de importações – principalmente de matérias-primas semimanufaturadas e componentes de alto valor agregado para a indústria de bens de consumo duráveis –, aumentos do preço do dólar têm impacto direto no custo de transformação. Esses preços tendem a ser repassados ao comércio, o qual, por fim, repassa ao consumidor final.
Isso aconteceu entre o final do ano de 2014, quando a taxa de câmbio estava em cerca de R$ 2,30 por dólar e os anos de 2015 e 2016, quando disparou acima dos R$ 4,00 por dólar. Assim, o IPCA convergiu no longo prazo para a taxa do IGP-M. Isso aconteceu durante muitos anos, entre 2007 e junho de 2018 para ser mais exato. A partir de julho de 2018, bem antes da pandemia, essa dinâmica mudou e o IGP-M começou a se "descolar" do IPCA. O que mudou na economia para haver tal "descolamento"?
Uma pista pode estar na sigla N.A.I.R.U., a qual, em inglês, significa Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment, ou, em português, Taxa de Desemprego que não Acelera a Inflação. Isto é, se a taxa de desemprego for suficientemente elevada, não ocorre aceleração da inflação, ou, pelo menos, dos índices de preços restritos ao cálculo da variação dos preços ao consumidor, como é o caso do IPCA e não dos IGPs.
Isso explica por que o Banco Central manteve a taxa básica de juros, Selic, em 14,25% ao ano em 2015 e 2016, mesmo com a vertiginosa queda do PIB naqueles dois anos, e não a mantém tão baixa agora, entre 2020 e 2021, com a pandemia da Covid-19. Em 2015, a taxa de desemprego precisava aumentar suficientemente para parar de acelerar a inflação. Com o desemprego elevado, em primeiro lugar, diminui-se a pressão sobre os custos de produção via aumento de salários, uma vez que os trabalhadores perdem poder de barganha e aceitam salários menores.
Em segundo lugar, a base de consumo diminui, de forma a não haver pressões inflacionárias nos preços ditos "privados livres", isto é, não controlados pelo governo. O melhor dos mundos para bancos e demais oligopólios do setor produtivo. Pesadelo de micro, pequenas e médias empresas que respondem por 95% dos empregos do país, além, obviamente, de trabalhadores.
Para se ter ideia, tomando-se os dados acumulados entre julho de 2018 e fevereiro de 2021, o "descolamento" entre o IPCA e o IGP-M alcança 30,3 pontos percentuais, uma vez que o acumulado do IGP-M no período está em surreais 41,8% e do IPCA, no mesmo período, está em modestos 11,5%. O gráfico abaixo revela o tamanho do problema.
Ou seja, se a taxa de desocupação atual estivesse nos patamares de 2013, a pressão do consumo sobre os preços privados livres já teriam feito a inflação oficial, IPCA/IBGE, subir para valores de, no mínimo, 20% ao ano, patamar do início do Plano Real. Lembrando que a economia brasileira ainda é bastante indexada, o que poderia ter um efeito ainda maior sobre os preços ao consumidor.
Ainda assim, a divulgação recente do IGP-10 de março deve ter sido acendido o sinal amarelo do Banco Central. Para piorar, o relatório Focus divulgado no dia 16 de março de 2021 indicou um aumento da previsão do centro da meta de 4,10% para 4,72% em 2021. Isso deve ter deixado em polvorosa os diretores do Banco Central, que devem estar batendo cabeça para decidir como contrariar o incontrariável Presidente da República, ter de subir juros em um cenário em que a pandemia se agrava e o crescimento econômico deve enfrentar forte retração no 1º semestre de 2021. Depois de anos, novamente o verbete Estagflação volta a permear a mídia econômica.
Portanto, o desemprego "precisa" ficar elevado para manter o IPCA/IBGE relativamente controlado próximo ao centro da meta por muito tempo ainda. Isso explica as duas leis mais recentes apontadas como a panaceia que resolverá todos os problemas econômicos do Brasil: a Independência do Banco Central e a Nova Lei de Teto de Gastos, a qual promove um aperto fiscal ainda mais draconiano do que aquela aprovada em 2016. Sem luz no fim do túnel pelos próximos 15 anos.
Fabricio Pessato é economista e professor universitário.
Saiba mais sobre o colunista na página Sobre
As opiniões aqui expostas refletem a visão do autor do artigo e, não necessariamente, do blog. Esse é um espaço plural para debate amplo de ideias.
Comments