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Foto do escritorFabricio Pessato

O caso da saída da Ford do Brasil sob a perspectiva de longo prazo


Saída do Brasil: Produção na fábrica da Ford em Taubaté (SP)

A polarização política que caracteriza o período atual tem enfatizado aspectos de curto prazo no que tange à saída da Ford do Brasil. Farei, aqui, uma breve análise considerando as perspectivas de longo prazo sobre o tema.


Em primeiro lugar, ressalto que uma empresa do porte de uma Ford jamais toma uma decisão impulsiva curto-prazista. Muito pelo contrário. O plano estratégico que resultou no anúncio possivelmente estava sendo construído desde 2014, quando o mercado automotivo começou a implodir no Brasil por diversos fatores.


Segundo dados da Anfavea, após a produção de automóveis ter crescido 66,3% entre 2004 e 2013, caiu 17,2% entre 2013 e 2019. Veja que nem estou retratando aqui a questão da pandemia, a qual, se colocada, aponta uma queda de 45,6% dos dados de 2020 na comparação com 2013. Ora, se a produção de 2019 é menor do que a de 2013, isso significa a priori que a indústria automotiva está operando com capacidade ociosa desde então.



Segundo ponto: a indústria de transformação e a indústria em geral tem perdido sistematicamente a participação no Produto Interno Bruto (PIB) desde o início dos anos 1990. Se em 1900 a indústria tinha uma participação de 11,6% no PIB, esse número alcançou 34,3% em 1980. A partir de então, começou a decair. E a queda mais expressiva ocorreu a partir da segunda metade dos anos 1990.



Essa redução da participação da indústria no PIB é consequência de uma política econômica específica, adotada a partir do governo Collor: a de acabar com a chamada Política de Substituição de Importações iniciada na Era Vargas, reduzir o tamanho do Estado e seu respectivo peso na Economia, além de adotar a "solução do livre mercado" como forma de aumentar a eficiência produtiva. Um dos efeitos dessas políticas – denominadas neoliberais – foi a sensível redução nas taxas de crescimento do PIB.


Uma comparação pertinente é analisar o que aconteceu com a China. Em 1995, o PIB chinês era menor do que o do Brasil. Em função de um conjunto intrincado de políticas adotadas desde então – diametralmente opostas às adotadas no Brasil –, a China cresceu consistentemente a taxas de mais de 10% ao ano em determinado período. Ainda que alardeado há muitos anos, o "fim do milagre chinês" até agora não aconteceu.



A justificativa usada para justificar o baixo crescimento do Brasil pela corrente liberal e pela esmagadora maioria da mídia mainstream é a lentidão das chamadas reformas estruturantes. Ainda que o Brasil tenha feito uma drástica Reforma Fiscal em 2016, a qual instituiu a Lei do Teto dos Gastos, a Reforma Trabalhista de 2017 que permitiu, entre outras coisas, a contratação por trabalho intermitente, e uma draconiana Reforma Previdenciária em 2019, que irá retirar mais de 30% do valor das aposentadorias aos trabalhadores que irão se aposentar. Mesmo assim, o PIB brasileiro tem crescido um pouco acima da linha d'água, pouco mais de 1% ao ano desde 2017.



O que nos leva à questão central: as empresas querem "reformas" ou querem "mercado"? Embora não houvesse reformas estruturantes em outros períodos, o PIB cresceu a taxas significativas. E as taxas mais elevadas, salvo determinados intervalos, coincidem com períodos em que houve Políticas Industriais proativas. Após o desmonte de tais políticas, o Brasil passou a enfrentar um longo processo de Desindustrialização, com a quebra das cadeias de produção que haviam sido estruturadas em décadas. Consequentemente, as empresas promoveram uma Política de Substituição de Fornecedores Nacionais, passando a depender de cadeias de produção estrangeiras, particularmente advindas da mesma China que seguiu o rumo oposto ao que o Brasil seguiu.


Ou seja, passamos a ter uma participação cada vez maior na nossa pauta de exportações em produtos primários, enquanto a capacidade industrial brasileira de exportar foi perdendo dinamismo sistematicamente, com um "estímulo às avessas" por parte dos governos que promoveram uma taxa de câmbio valorizada para segurar a fórceps a inflação por meio do favorecimento das importações.


Como consequência – também de décadas dessa política –, as pressões sobre a taxa de câmbio se tornaram cada vez mais evidentes. Por exemplo, um chip de computador de última geração da Intel custa US$9.700, enquanto uma tonelada de soja custa US$330. Isto é, precisamos exportar uma tonelada de soja para importar um chip de computador.



Você deve estar se perguntando: e a Ford com isso? Minha resposta: a Ford não observa apenas aspectos conjunturais. A empresa (que passa por uma reestruturação mundial, frise-se bem) analisa o horizonte de longo prazo e entende que o mercado brasileiro não é promissor. Vê o desemprego elevado e entende que isso não se trata de um aspecto cíclico, mas, sim, uma tendência de longo prazo: altas taxas de desocupação, elevada informalidade, subutilização da força de trabalho e, como consequência, baixo nível de renda e baixo nível de consumo. Observa a incapacidade dos sucessivos governos brasileiros de ter um plano de estratégia de desenvolvimento que possa elevar o nível geral de renda do país – e, consequentemente, oferecer um mercado consumidor sólido.



Fabricio Pessato é economista e professor universitário.

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As opiniões aqui expostas refletem a visão do autor do artigo e, não necessariamente, do blog. Esse é um espaço plural para debate amplo de ideias.


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