Preços subindo sem parar e salários arrochados afetam o orçamento das famílias e reduzem o poder de consumo
Na década de 1980 e começo dos anos 1990, o consumidor brasileiro tinha pavor da famigerada maquininha de remarcação. Com a hiperinflação, que chegou a atingir 83,95% no Brasil em março de 1990, era impossível os salários vencerem a corrida contra os aumentos diários de preços de itens básicos como alimentação. O país vive tempos menos caóticos, mas não menos desafiantes para a população. A inflação bateu 10,79% nos últimos 12 meses e o rendimento médio do trabalhador caiu 9,7% neste último ano.
Fácil notar que a conta não fecha quando se coloca na ponta do lápis as despesas do mês: alimentação, energia elétrica, transporte, vestuário, moradia e lazer. Para a dona de casa, responsável por fazer o dinheiro render mais, não está nada fácil ir ao supermercado, açougue ou varejão. De acordo com o último levantamento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o grupo de alimentos teve alta de 10,77% nos últimos 12 meses, habitação subiu 14,56% e transportes avançou 16,79%.
“Olha, não está nada fácil. Carne em casa agora é só duas vezes por semana. Mesmo assim, a cada semana gasto mais com comida. Fiquei assustada nesta última semana quando fui ao varejão e um pé de alface estava em oferta por quase R$ 7,00. O valor é o mesmo do litro da gasolina que eu coloquei no meu carro. Como pode um pé de alface custar o mesmo que um litro de gasolina?”, questiona a assistente financeiro, Maria de Fátima Silva.
Ela diz que mora de aluguel e o proprietário da casa em que vive com a família quer um reajuste de mais de 20% no valor da locação. Maria conta que ele alega que a inflação está muito alta e que está perdendo dinheiro. “Estou há mais de dois anos sem ter aumento real de salário no meu emprego. Com a pandemia, a empresa reduziu o número de trabalhadores e tive sorte de manter o meu trabalho. Meu esposo também conseguiu ficar empregado. Mas os salários estão baixos e nem dá para ficar pedindo aumento. O país está com a economia muito ruim”, lamenta.
Fatores
Problemas climáticos, demanda internacional, pandemia, alta do petróleo, Guerra na Ucrânia, política econômica brasileira, câmbio, inflação de custos e outros fatores compõem a lista de motivos que explicam o que o brasileiro vive hoje com a alta do custo de vida. O professor de Finanças da Faculdade de Ciências Contábeis da PUC-Campinas, Eli Borochovicius, diz que o fator climático pesou na produção de alimentos.
“As secas e o intenso calor em um período do ano e as fortes chuvas em outro, baixaram a produtividade dos campos. Com o câmbio valorizado, os produtores optaram por exportar seus produtos desabastecendo o mercado interno, reduzindo a oferta dos produtos. Do outro lado, em função da pandemia, a demanda foi ampliada fazendo com que os preços ficassem inflacionados”, analisa.
Ele observa ainda que a pandemia também afetou o sistema produtivo chinês, responsável por suprir a indústria automobilística com componentes eletrônicos, impactando nos preços do grupo de transportes. Já a alta cambial, segundo Borochovicius, pressionou o preço dos combustíveis elevando o custo dos fretes e do transporte público.
“No grupo de habitação, é possível destacar a alta nos preços da energia elétrica em função da crise hídrica, já que mais de 60% da energia do país é abastecida por hidrelétricas e, portanto, houve a necessidade de elevação dos custos de geração com a ativação das termelétricas”, aponta o especialista.
Mudanças de hábito
O cenário atual com inflação alta, salários mais baixos, crescimento econômico baixo e os impactos da pandemia provocaram mudanças de hábitos dos consumidores, na avaliação de Eli Borochovicius.
“Novos hábitos surgiram e algumas famílias descobriram que reduzir o padrão de aquisição não é o mesmo que reduzir o padrão de vida. Alguns passaram a se alimentar com melhor qualidade, respeitando os horários de café da manhã, almoço e janta. Outros passaram a caminhar, pedalar, se exercitar e passar mais tempo com a família”, diz.
O professor da PUC-Campinas afirma que “as famílias precisaram rever os seus orçamentos e tiveram que adequar as receitas à nova realidade de gastos”. Ele acredita que “alguns sonhos precisaram ser adiados para que fossem honrados os compromissos financeiros com as contas que não pararam de chegar”.
“Contas elevadas exigem redução do consumo e novos hábitos foram adotados, como banhos mais rápidos, reduzindo o consumo de água e energia. Foi possível identificar também que algumas famílias passaram a lavar as roupas no tanque em vez de utilizar as máquinas elétricas, sempre tomando o cuidado para não exagerarem no consumo da água, já que, de forma geral, as máquinas consomem menos”, observa.
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